A marca que um pé deixa sobre a terra fofa ou na areia da praia nos fala de uma presença que talvez nem esteja mais lá, mas imprimiu um rastro, uma pegada. Uma evidência que, mesmo sem palavras, ajuda a reconstituir uma história: a velocidade do passo, o peso do corpo, o instante provável da passagem daquele pé por ali. Não por acaso, o termo ‘pegada’ tem sido usado com frequência nas situações em que se avaliam os impactos, geralmente ambientais, decorrentes da produção de bens de consumo, ao longo de todo o ciclo de vida (ou a história) de um produto.
A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) se engajou a uma iniciativa que tinha por meta estimar o quanto de água representa a vida útil de uma calça jeans, desde a lavoura até o nosso guarda-roupas. A Abrapa e suas estaduais contribuíram com informações sobre o modo de produção nacional da fibra, reconhecido como um dos mais sustentáveis do mundo quanto ao uso da água, já que praticamente toda a produção da matéria-prima utiliza apenas a água da chuva, num modelo conhecido como ‘sequeiro’.
Em outras palavras, na lavoura, na safra considerada no estudo – plantada em 2018 e colhida em 2019 – somente 8% da água, que fez com que as plantas se desenvolvessem e fornecessem a pluma que será transformada na indústria têxtil, vieram de cursos d’água como rios e lençóis freáticos através de sistemas de irrigação. Os demais 92% caíram do céu, pelas graças da natureza do cerrado, bioma que se ajusta certinho às demandas do algodoeiro: chuva no plantio e desenvolvimento, e seca na colheita.
Mas, para a surpresa de muitos, do número alcançado ao final do estudo, 5.196 litros por calça jeans, uma significativa parcela do recurso hídrico utilizado – 4.247 litros/calça jeans – cabe aos produtores rurais, mesmo que eles não abram a torneira.
De acordo com o estudo, a pegada da cotonicultura é predominantemente verde. A água da chuva representa 50% na ponderação dos três indicadores. De todas as etapas da produção analisadas – plantio, tecelagem, confecção, lavanderias, consumidor e pós-consumo – esta cor aparece apenas na produção agrícola.
O número final de litros por calça jeans produzida, em si, diz pouco. É preciso analisá-lo por um prisma de três cores: azul, verde e cinza. São indicadores utilizados na conta, que considera não apenas a quantidade do uso em litros para fazer uma calça jeans, mas a ‘natureza’ desse uso. A água que vem da chuva, a que é captada dos rios, a que volta para os rios pelos esgotos industriais, a evaporada após a chuva na lavoura, aquela que gastamos todas as vezes em que lavamos a peça em nossas casas, dentre outras.
A pegada hídrica verde representa a água de chuva absorvida pelas plantas. A cinza é a água que a natureza precisa dispor para diluir os poluentes do processo produtivo quando ela volta para a natureza. Já a azul é a captada nos cursos d’água, descontando a que é devolvida no mesmo local, ou seja, considera-se a água evaporada ou devolvida em um lugar diferente de onde foi captada. Por exemplo, a chuva ou a irrigação molham a terra. Uma parte do líquido é absorvida e evapotranspirada pelas plantas, voltando para as nuvens em forma de vapor. É aí que contabilizamos a água verde (chuva) e azul (irrigação) do processo agrícola. Já a outra porção da água não absorvida pelas plantas, segue para os rios, através do escoamento superficial ou infiltração pela terra até o lençol freático, que é subterrâneo. Caso a água escoada contenha micropartículas de produtos químicos, como fertilizantes ou defensivos usados na lavoura, mais cedo ou mais tarde, essa água vai chegar aos rios, demandando água cinza para a diluição de eventuais poluentes que chegam até lá.
‘O Brasil tem uma condição muito especial em sua localização geográfica que determina um regime de chuvas muito favorável ao algodão, nas áreas onde atualmente ele é plantado, no centro-oeste do país. Estamos na mesma faixa latitudinal de continentes e países com desertos, como África, Austrália e Chile, e, no entanto, somos ricos em água doce. Isso se deve à influência da Floresta Amazônica e da cordilheira dos Andes, através dos chamados ‘rios voadores’, que direcionam as nuvens da Amazônia para o Centro-Oeste brasileiro. Conhecer a pegada hídrica de uma calça jeans nos ajuda a tomar decisões e a entender a importância da preservação desse sistema’, afirma Claudio Mendonça, sócio-diretor da H20 Company, empresa responsável pela metodologia utilizada na mensuração.
A ABNT Certificadora possui um Programa de Certificação de Pegada. Venha medir a sua Pegada!
Fonte: https://www.abrapa.com.br/Paginas/Not%C3%ADcias%20Abrapa.aspx?noticia=447